segunda-feira, abril 18, 2016

Se for dirigir, não beba: o Crime de Perigo Abstrato no ato de dirigir embriagado

Publicado por Wagner Francesco
E clássica e pacífica a ideia de que um crime é uma ação ou omissão que resultou na ferida a um bem mais relevante - por isto este bem é protegido pelo Direito Penal. Não se pune, por esta razão, a intenção de cometer um crime. Bitencourt a este respeito diz que
A simples vontade de delinquir não é punível se não for seguida de um comportamento externo. Nem mesmo o fato de outras pessoas tomarem conhecimento da vontade criminosa será suficiente para torná-la punível. É necessário que o agente, pelo menos, inicie a execução da ação que pretende realizar.
Pois bem. Surge então uma teoria que parece - só parece! - percorrer um caminho contrário a tudo isto que acabamos de afirmar: o chamado Crime de Perigo Abstrato.
Conceito: Crime de perigo abstrato é aquele que não exige a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto.
Esclarecemos: é tipo penal que descreve apenas um comportamento, uma conduta, sem levar em conta a existência ou não de algum bem lesado.

O problema

Não há consenso sobre a Constitucionalidade da chamada Teoria do Perigo Abstrato. Eu situo-me dentre os que fazem coro à Constitucionalidade. Aqueles que são contrários dizem que "o perigo abstrato ofende o princípio da lesividade" porque segundo este princípio o direito penal deverá punir somente se a conduta lesionar algum bem jurídico. É correto, mas é meia verdade. O princípio da lesividade também deve punir a conduta que coloca em risco um bem jurídico. Assim, por exemplo, temos o crime do Código de Trânsito, que em seu artigo 306 apresenta:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Segundo este artigo não é preciso atropelar alguém para configurar crime, pois este crime se configura já no ato de conduzir, bêbado, o veículo. Não espera nenhuma lesão a bem jurídico, mas pune-se desde já o comportamento que coloca em risco a segurança da sociedade. Neste sentido, não vejo como possível argumentar que se o crime não aconteceu ele é um crime impossível e, por isto, não faz sentido falar em perigo abstrato. Sabe aquele ditado que diz: é melhor prevenir do que remediar? Pois então, é de interesse de toda a sociedade que comportamentos que tenham grande probabilidade de ofender um bem jurídico sejam reprimidos.
Se for dirigir no beba o Crime de Perigo Abstrato no ato de dirigir embriagado
Os números justificam a reprimenda: quando foi instituída a Lei Seca em sua versão menos tolerante, isto em 2012, os números de acidentes reduziram. Em 2012 foram registrados 7.594 acidentes; no ano seguinte, 7.526; e, em 2014, 7.391. Os números de acidentes são grandes, mas revelam duas coisas: muitos acidentes acontecem nas estradas, sendo que 65% deles têm a ver com álcool e os números caem ano após ano.
Agora me diga: como não punir um comportamento que é causa de 65% das mortes nos trânsitos? Neste sentido, de acordo estou com a seguinte jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.582.413 - RJ (2016/0044032-8)
RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997. DELITO DE TRÂNSITO PRATICADO APÓS A LEI N.º 11.705/2008 E ANTES DA LEI N.º 12.760/2012. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE POTENCIALIDADE LESIVA NA CONDUTA. CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 DG. VERIFICAÇÃO POR BAFÔMETRO. FATO TÍPICO. PRESENTE JUSTA CAUSA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO
1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, reiteradamente, que o crime do art. 306 do Código de Trânsito, praticado após a alteração procedida pela Lei n. 11.705/2008 e antes do advento da Lei n. 12.760/2012, como na hipótese, é de perigo abstrato. É desnecessária a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta e basta, para tanto, a constatação de que o réu conduzia automóvel, em via pública, com a concentração de álcool igual ou superior a 6 dg por litro de sangue, o que equivale a 0,3 mg por litro de ar expelido dos pulmões, aferida por meio de etilômetro.
2. Esta Suprema Corte entende que, com o advento da Lei n.11.705/08, inseriu-se a quantidade mínima exigível de álcool no sangue para se configurar o crime de embriaguez ao volante e se excluiu a necessidade de exposição de dano potencial, sendo certo que a comprovação da mencionada quantidade de álcool no sangue pode ser feita pela utilização do teste do bafômetro ou pelo exame de sangue, o que ocorreu na hipótese dos autos.
Como disse, não vejo como inconstitucional o Crime de Perigo Abstrato, pois ele não fere o princípio da lesividade - que protege também contra os riscos da prática de uma ação que a vida já nos mostra a gigante incidência de bens lesionados. Não há razão para esperar um bem jurídico ser lesionado para aplicar uma pena, pois então seríamos sempre como aquela pessoa descuidada que só fecha as portas da casa depois que o ladrão já saiu e levou tudo.

Seja consciente!

Não dirija quando beber e não incentive seus amigos, pelo Whatsapp, a agirem com esperteza para não passar por blitz - pois é numa dessa que lá na frente uma tragédia acontece e você nunca vai se perdoar!