sexta-feira, abril 06, 2012

O ESVAZIAMENTO DA LEI SECA


OPINIÃO O Estado de S.Paulo - 30/03/2012


Por decisão da 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tomada por 5 votos contra 4,
só o teste do bafômetro e o exame de sangue podem ser aceitos como prova de embriaguez 
para fundamentar a abertura de ação penal contra quem que for flagrado dirigindo 
embriagado.


A decisão do STJ é polêmica, como o placar apertado do julgamento deixou claro.
Isto porque, ao descartar exame médico e até o depoimento de guardas de trânsito e
policiais rodoviários, condicionando a apenas duas provas a abertura de ação criminal, 
o STJ dificultou a aplicação da Lei n.º 11.705, que entrou em vigor em 2008. Mais conhecida 
como Lei Seca, ela estabelece sanções severas para o condutor que for flagrado tendo concentração de álcool superior a 0,6 grama por litro de sangue.


Como a Lei Seca foi mal redigida, apesar das boas intenções de seus autores, ela contém dispositivos excessivamente detalhistas, medidas que conflitam com o Código Penal e até
 problemas conceituais. A decisão do STJ, portanto, está tecnicamente correta, embora 
pareça ser, na prática, um desserviço ao combate à embriaguez no volante.


O julgamento do STJ foi realizado para pacificar a matéria, firmar jurisprudência uniforme e 
acabar com as decisões contraditórias que vinham sendo tomadas pelo Judiciário. Todos os tribunais do País terão de seguir a decisão e só o Supremo Tribunal Federal poderá alterá-la.


Pelo entendimento do STJ, somente poderia ser proposta ação criminal contra o condutor alcoolizado que se recusar a se submeter ao bafômetro ou ao exame de sangue se a 
Lei n.º 11.705 não especificasse a concentração de álcool no sangue, para efeitos de 
configuração ou tipificação do crime. Desde a entrada da lei em vigor, autoridades de 
trânsito, advogados criminalistas, promotores de Justiça e juízes criminais têm advertido que
 ela poderia ser derrubada na Justiça.


Com a decisão do STJ, as autoridades de trânsito ficam com poucos instrumentos jurídicos eficientes para coibir a embriaguez na direção. Como os motoristas podem se recusar a 
fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue, pois a Constituição lhes dá o direito de 
não produzir provas contra si, não há como processá-los judicialmente, mesmo havendo 
sinais evidentes de embriaguez. Deste modo, as únicas sanções efetivas que restam são
 de caráter administrativo - como a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação.


Para dar às autoridades de trânsito novos instrumentos jurídicos, o Congresso está 
examinando o projeto de uma nova Lei Seca. A iniciativa é oportuna, mas há o risco de que,
em vez de limitar excessivamente a produção de provas, a nova lei dê a essa questão um tratamento permissivo, a ponto de ferir direitos básicos. Esse risco está presente no projeto,
que adota a política do álcool zero para condutores e pune até aqueles que não causem 
acidente de trânsito.


Aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, 
o projeto estabelece que, além do bafômetro e do exame de sangue, valerão como provas
de embriaguez vídeos, testemunhos e evidências.


O projeto colide com a Constituição ao estabelecer que quem se recusar a fazer o teste 
sofrerá sanções como se estivesse embriagado, mesmo não tendo provocado acidente.


O projeto é tão drástico que, se for convertido em lei, poderá, em tese, levar à punição 
quem consumiu uma dose de xarope. As penas variam de 6 meses a 3 anos de prisão. 
Se provocar acidente com lesão corporal, a pena é de 6 a 12 anos. E, se provocar morte,
a condenação pode chegar a 16 anos. São penas superiores às previstas pelo Código 
Penapara crimes muito mais graves, o que não faz sentido. Além disso, o projeto admite
 como prova testemunhos subjetivos e reduz o direito de defesa dos motoristas 
eventualmente acusados.


Evidentemente, bebida e direção são incompatíveis. O que o País necessita é de uma lei equilibrada, que permita às autoridades reprimir os excessos que produzem, todos os anos,
 milhares de vítimas, e que seja considerada justa pela população.

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