segunda-feira, julho 15, 2013

JUSTIÇA ABRE NOVA BRECHA NA LEI SECA


 


ZERO HORA 15 de julho de 2013 

TRÂNSITO. Nova brecha na Lei Seca

HUMBERTO TREZZI

Decisão do Tribunal de Justiça exige, além do bafômetro, outras provas para
condenar condutor que ingeriu álcool além do limite.

Desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul (TJ-RS) deram uma nova interpretação à Lei Seca no trânsito, mais liberal.
Em decisão proferida em maio, mas divulgada há poucos dias, eles absolveram
um motociclista flagrado em Montenegro com 0,47 miligramas de álcool por litro
de ar, conforme teste de etilômetro (bafômetro) – a partir de 0,34 miligramas
é considerado crime. O motoqueiro tinha sido condenado, em 2012, a seis 
meses em regime aberto e multa de 10 dias-multa, além de ter sua habilitação
suspensa por seis meses. A prisão foi substituída por pagamento de um salário 
mínimo a uma entidade beneficente.

O motociclista Sidinei Amorin de Souza, flagrado em abril de 2011 numa 
fiscalização de rotina e que aceitou fazer exame de etilômetro, interpôs 
recurso e os desembargadores o absolveram, em maio passado. 
A justificativa: a polícia não fez nenhum exame adicional para comprovar a 
embriaguez, além do bafômetro.

O relator do acórdão que absolveu o motoqueiro, desembargador Nereu José
Giacomolli, defende que “não mais basta a realização do exame do bafômetro”.
Ele entende que, para configurar crime de embriaguez no trânsito, é preciso 
também constatar se houve perda de reflexos do condutor, com exame clínicos
ou perícias.

“Qual a influência de álcool necessária para causar uma alteração da capacidade
psicomotora, ou qual a influência do consumo de psicotrópicos? A adequação 
típica da conduta, agora, depende não apenas da prova da concentração 
alcoólica igual ou superior a 6dg.Não mais basta a realização do exame do 
bafômetro. A conduta encontrará adequação típica apenas se constatada uma 
alteração (leia-se redução) da capacidade psicomotora, o que deverá ser 
comprovado por um dos meios de provas referidos no parágrafo 2º do próprio 
artigo 306 do Código de Trânsito” – fundamentou Giacomolli no acórdão, em 
decisão na qual foi acompanhado pelos desembargadores Diógenes Vicente 
Hassan Ribeiro e João Batista Marques Tovo.

Um precendente que preocupa

A decisão abre um precedente que pode beneficiar outros condenados Brasil
afora. É o que se chama jurisprudência – que pode ser seguida por outros 
magistrados, mesmo sem obrigação de que isso aconteça. É também um nítido
afrouxamento nas rígidas regras da chamada Lei Seca. Na sua mais nova versão,
a Lei 12.760/2012 prevê apreensão do veículo de pessoa cujo exame de sangue
apresente qualquer concentração de álcool por litro de sangue. E determina 
prisão do condutor que apresentar, no teste de bafômetro, 0,34 miligrama ou 
mais de álcool por litro de ar – o infrator só não é preso se pagar fiança, 
estabelecida pela Polícia Civil.

Com a nova interpretação dos desembargadores do TJ, além do bafômetro 
devem existir outras provas, para justificar a prisão do motorista supostamente
embriagado. É o caso de sinais psicomotores, como condução anormal 
(zigue-zague), caminhar com dificuldade, fala arrastada, que podem ser 
identificados por um policial, agente de trânsito ou médico, desde que 
corroborados por testemunha não ligada a órgãos de trânsito.

Nelson Tombini, diretor do Pronto-Socorro Cruz Azul e médico especialista 
em Medicina de Tráfego, diz que entende a posição dos desembargadores, 
do ponto de vista humanitário:

– Eles querem que seja preso apenas aquele que demonstrar direção perigosa.
Hoje, basta ingerir um bombom com licor para acusar álcool, no teste de 
bafômetro. Seria uma forma de adequar o rigor, que está grande. 
Mas, como médico, tenho de defender tolerância zero. Eu mesmo não bebo,
nem uma gota, antes de dirigir.
Acabo de sair de uma festa e não bebi – relata Tombini.



Especialistas discordam da decisão


No início, a Lei Seca estabelecia tolerância de algumas taças de vinho ou copos
de cerveja para o motorista se livrar da multa. Agora ele é multado assim que 
qualquerquantia de álcool for detectada no seu hálito. E pode ser também preso,
acima de pequena quantia. Na contramão desse grande rigor, desembargadores 
da 3ª Câmara acabam de absolver um motociclista, entendendo que deveriam 
existir provas de que ele estava embriagado, além do bafômetro. Zero Hora 
ouviu especialistas e eles discordam da decisão do Tribunal de Justiça. Nei Pires
Mitidiero, juiz aposentado e advogado de causas no trânsito, considera que a lei
atual abre duas possibilidades de incriminação para quem está embriagado ao 
volante. Uma, pelo etilômetro (bafômetro). Outra, por sinais, a serem apontados
por policial, agente de trânsito ou médico, acompanhados de uma testemunha.
Ele acredita que qualquer dessas provas é suficiente:

– Mesmo sendo advogado, entendo que, se o bafômetro apontar a partir de 0,34 
miligrama de álcool por litro de sangue, está comprovada a embriaguez. 
Não há o que exigir mais, nem o que discutir. Ao que parece, esses 
desembargadores querem provas adicionais. Creio que o Ministério Público vai 
recorrer e teremos um embate no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília,
antes que vire jurisprudência.

Opinião semelhante tem Marcelo Cunha da Silva, chefe de equipe da Empresa 
Pública de Transporte e Circulação (EPTC) no projeto Balada Segura, em Porto 
Alegre. Ele diz que os agentes de trânsito, por terem grande responsabilidade, 
vão continuar autuando quem transgride, da mesma forma como vêm fazendo:

– A verdade é que a lei exibe brechas e os advogados procuram por elas. Não me
cabe contestar desembargador, mas lembro que o etilômetro é válido, isso está
na lei. Vamos continuar usando ele como prova, até porque está comprovado que
 o álcool é um dos maiores responsáveis pelas mortes no trânsito.


“Ninguém quer proteger motorista irresponsável”


No Judiciário há 24 anos, desembargador há dois, Diógenes Vicente Hassan Ribeiro
foi um dos três magistrados da 3ª Câmara Criminal do TJ-RS que absolveu o 
motoqueiro que tinha sido anteriormente condenado por ultrapassar os limites de
alcoolemia impostos pela chamada Lei Seca. Nesta entrevista, concedida por 
telefone, ele esclarece que a intenção não é liberalizar geral, mas apenas garantir 
que se consiga provas adicionais, além do bafômetro:

Zero Hora – Por que o motoqueiro que tinha ultrapassado o limite de álcool 
ingerido foi absolvido?

Diógenes Ribeiro – É uma questão bem técnica, acadêmica até. Uma sucessão de 
leis penais trata da embriaguez ao volante. A última, de 2012, em seu artigo 306 
estabelece que comete crime o condutor que apresentar alteração psicomotora. 
Um dos parâmetros para constatar isso é medir a alcoolemia pelo etilômetro 
(bafômetro). Além dele, é preciso outra prova: sinais que indiquem alteração da
capacidade psicomotora. Por que isso? Porque, cientificamente, está comprovado
que o tamanho da pessoa influencia na capacidade de absorver álcool. E homens 
resistem mais à ingestão de álcool do que mulheres, via de regra. 
São vários fatores, além da medição de alcoolemia (quantidade de álcool no 
organismo).

ZH – Vai ocorrer uma enxurrada de absolvições?

Diógenes – Como a lei é nova, entendo que pode ser aplicada a casos passados
Podem ingressar com ação de revisão criminal, ela será apreciada. Mas que fique 
claro: ninguém quer aqui proteger motorista irresponsável. Tivemos outro 
episódio,recente, examinado no TJ-RS, o de um cidadão que bateu em vários 
carros e o etilômetro constatou que tinha ingerido quantia de álcool superior à 
permitida. Ora, foi mantida a condenação, porque as colisões em sequência 
indicavam que sua capacidade psicomotora estava alterada.

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